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Cogeração: entenda o processo que gera dois tipos de energia a partir de um combustível

Em 6 de julho de 2023, às 16:16

Uma Abordagem Sustentável para Eficiência Energética e Redução de Custos

Por Joice Pereira, especialista em eficiência energética em sistemas térmicos

O alto custo da energia no Brasil tem afetado a competitividade da indústria nacional. Ademais, o setor industrial é responsável por 17,5% do total de CO2 eq da matriz energética brasileira (EPE,2022). Diante desse desafio, é fundamental implementar ações efetivas que promovam a eficiência no uso dos recursos energéticos nas indústrias, diminuindo os desperdícios, e, consequentemente os custos e os impactos ambientais. Dado que 80% do consumo total de energia industrial é térmico (apenas 20% deste é elétrico) (EPE, 2022), evidencia-se a importância de alternativas tecnológicas para reaproveitamento de calor residual nos processos industriais, como a cogeração.  

A cogeração, também chamada de CHP, da sigla em inglês Combined Heat and Power, é uma forma eficiente de produzir eletricidade e energia térmica (calor e, em alguns casos, resfriamento) a partir de uma única fonte de combustível. Neste processo, o calor, que normalmente seria perdido para o meio ambiente, é recuperado para disponibilizar água quente, vapor, água gelada ou até mesmo o CO2 (CCU – Carbon Capture and Utilization).

Nos processos de conversão energética uma parte da energia é sempre perdida para o ambiente na forma de calor (por exemplo, uma máquina elétrica, como um motor, ficará quente ao longo da sua operação), que é considerado uma forma de energia degradada, pois possui limitações significativas (tecnológicas, de eficiência e ambientais) para produção de trabalho útil. 

Nas utilidades industriais uma grande quantidade de calor é descartada para o ambiente e, diferentemente, de outras formas de energia, como a eletricidade ou o combustível, o calor é difícil de ser armazenado de forma eficiente. No contexto da eficiência energética e do aproveitamento de recursos, é desejável minimizar as perdas de calor e buscar formas mais eficientes de utilizá-lo, como a cogeração, em que o calor residual é aproveitado para fins térmicos, maximizando o uso da energia disponível, tendo em vista que esse calor perdido para o ambiente é também um agente intensificador do aquecimento global.

Considere, por exemplo, uma situação em que um grupo moto-gerador é utilizado para gerar eletricidade: Com a cogeração, o calor perdido nos gases de exaustão do motor, normalmente não aproveitado, pode ser utilizado para produzir água quente. Ao aproveitar o calor residual, é possível atingir uma eficiência global de até 80% neste tipo de sistema, o que representa uma melhoria substancial em comparação com a geração convencional de eletricidade e calor separadamente (30 a 40%), conforme exemplificado na Figura 1.

Figura 1: Eficiência de um ciclo térmico sem cogeração e eficiência de um ciclo térmico com cogeração (Fonte: INEE)

Existem dois arranjos possíveis para os sistemas de cogeração: o topping e o bottoming. No ciclo topping, mais utilizado sobretudo no setor sucroalcooleiro, o vapor é direcionado para turbinas, onde é convertido em energia elétrica. O calor residual resultante desse processo é recuperado e utilizado para fins térmicos no processo produtivo. Por outro lado, nos ciclos bottoming, a energia térmica residual proveniente de processos industriais a altas temperaturas é utilizada para gerar energia elétrica. Essa situação é mais comumente encontrada em indústrias químicas.

Um dos aspectos inovadores da tecnologia de cogeração é sua versatilidade e adaptabilidade a diferentes tipos de combustíveis. Embora os combustíveis fósseis, como o gás natural, ainda sejam amplamente utilizados, a cogeração também pode ser implementada com fontes renováveis, como biomassa, biogás e energia solar concentrada. Essa diversidade de opções de fontes renováveis, possibilita reduzir a dependência de combustíveis fósseis e promover a transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável.

No Brasil, 62% dos sistemas de cogeração utilizam biomassa da cana-de-açúcar que são responsáveis por 8,2% da energia elétrica consumida no Brasil. Em escala mundial, a média gira em torno de 2,3%, mostrando o protagonismo do Brasil na utilização de energia renovável e de baixo carbono na cogeração (DataCogen, 2019).

Benefícios da cogeração

A cogeração industrial traz uma série de benefícios que contribuem para a tomada de decisão na implementação dessa tecnologia nas empresas. Abaixo listamos cinco principais que colocam a cogeração industrial como uma opção atrativa para empresas que desejam melhorar sua eficiência energética e reduzir custos operacionais de maneira sustentável alinhada com a Agenda ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance):

  1. Eficiência Energética: A cogeração industrial permite o aproveitamento máximo da energia primária, aumentando a eficiência energética das instalações. Ao gerar eletricidade e calor simultaneamente, a cogeração reduz o desperdício de energia que ocorre nos sistemas de geração separada, resultando em um uso mais eficiente dos recursos energéticos.
  2. Redução de Custos: A utilização da cogeração industrial pode levar a uma redução significativa nos custos operacionais. Ao gerar eletricidade e calor a partir de uma única fonte de energia, as empresas podem reduzir sua dependência de fontes externas de energia e minimizar os custos associados à compra de eletricidade e calor. Além disso, a cogeração permite a venda do excesso de energia gerada para a rede elétrica, gerando receita adicional.
  3. Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE): A cogeração industrial contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Ao maximizar a eficiência energética, a cogeração diminui a necessidade de combustíveis e reduz as emissões de CO2 e outros poluentes para a atmosfera. Isso ajuda a combater as mudanças climáticas e a promover práticas mais sustentáveis.
  4. Aumento da Confiabilidade do Fornecimento de Energia: A cogeração industrial oferece uma maior confiabilidade no fornecimento de energia para as instalações industriais. Ao gerar eletricidade e calor internamente, as empresas podem reduzir sua dependência da rede elétrica pública, o que as protege contra interrupções no fornecimento de energia. Isso é especialmente importante para indústrias que operam 24 horas por dia e têm necessidades energéticas críticas.
  5. Aproveitamento de Resíduos e Subprodutos: A cogeração industrial permite a valorização de resíduos e subprodutos para a geração de energia. Biomassa, resíduos industriais e até mesmo gases de escape podem ser utilizados como combustível na cogeração, transformando materiais antes considerados desperdícios em fontes valiosas de energia. Nesse sentido, a cogeração pode estar associada a produção e utilização de biogás a partir de resíduos industriais.  Isso reduz a quantidade de resíduos destinados a tratamento, o custo de tratamento, contribui para uma abordagem mais sustentável no gerenciamento de resíduos industriais e para geração de receita a partir destes resíduos.

Case de sucesso de cogeração no Brasil

Existem inúmeros casos de sucesso de cogeração tanto no Brasil quanto no exterior. No Brasil, destaca-se o exemplo da indústria sucroenergética, que utiliza a cogeração como uma solução eficiente e economicamente viável. Nas usinas de cana-de-açúcar, a biomassa residual é empregada como combustível para a geração de eletricidade, atendendo à demanda interna da planta e ainda exportando o excedente para a rede elétrica, proporcionando retorno financeiro e redução de emissões.

Há, também, outros projetos de sucesso implementados em indústrias do setor de alimentos e bebidas, como segmento de produção de arroz e batata, que geram sua própria eletricidade e calor de processo (vapor), a partir de biomassa, e exportam o excedente de eletricidade para a rede (confira aqui o caso da Bem Brasil).

Em uma indústria cerâmica brasileira, o PotencializEE identificou aplicações de chillers de absorção, que permitem produzir água gelada a partir de uma fonte de calor advinda da cogeração. O retorno do investimento foi de 35 meses e a economia anual acima de 1 milhão de reais.

Além disso, há o caso da cidade de Copenhagen, na Dinamarca, que adotou amplamente a cogeração em sua matriz energética. Por meio de uma central de cogeração movida a biomassa e resíduos sólidos urbanos, a cidade fornece eletricidade, calor e água quente para a população local. Esse projeto demonstra não apenas a viabilidade financeira da cogeração, mas também os benefícios ambientais, pois reduz o consumo de combustíveis fósseis e contribui para a redução das emissões de gases poluentes.

Hoje, na Holanda e na Finlândia, a cogeração já representa mais de 40% da potência instalada (INEE). A Alemanha é o maior mercado da Europa para usinas de micro-cogeração para pequenas e médias empresas.

Conheça as principais tecnologias de cogeração e como são utilizadas

As principais tecnologias utilizadas em sistemas de cogeração são:

Ciclo a vapor: Nesse tipo de cogeração, a energia térmica é convertida em eletricidade por meio de um ciclo a vapor. O calor gerado a partir de uma fonte de combustível, como gás natural ou biomassa, é usado para aquecer água e gerar vapor. Esse vapor é direcionado para uma turbina a vapor, que aciona um gerador elétrico, produzindo eletricidade. O calor residual do processo é aproveitado para aquecimento ou outros fins industriais. A cogeração a vapor pode ser implementada em indústrias que já produzem vapor em caldeiras, principalmente utilizando biomassa residual ou florestal, desde que apresente certificados de sustentabilidade de reflorestamento.

Ciclo combinado: Essa tecnologia combina um ciclo a vapor com um ciclo a gás. O combustível gasoso, comumente o gás natural, é queimado em uma turbina ou microturbina a gás, gerando energia mecânica que aciona um gerador elétrico. Os gases de exaustão da turbina a gás são direcionados para uma caldeira, onde são usados para gerar vapor. Esse vapor é então direcionado para uma turbina a vapor adicional, que também aciona um gerador elétrico. O aproveitamento do calor residual é semelhante ao ciclo a vapor. Nesse ciclo, podemos dar destaque a possibilidade de utilização de biometano, combustível renovável que pode substituir totalmente o gás natural.

Motor a combustão interna: Nesse tipo de cogeração, um motor de combustão interna, alimentado por biogás, gás natural ou biodiesel, é usado para converter a energia química do combustível em energia mecânica. Esse motor aciona um gerador elétrico, produzindo eletricidade. A energia térmica gerada pelos gases de exaustão do motor e pelo sistema de resfriamento é aproveitada para aquecimento ou outros fins industriais como refrigeração.

Células a combustível: As células a combustível são dispositivos eletroquímicos que convertem a energia química de um combustível, como hidrogênio verde, gás natural, biogás ou biometano, diretamente em eletricidade e calor. A eletricidade é gerada por meio de reações químicas dentro da célula de combustível. O calor gerado como subproduto do processo pode ser utilizado para aquecimento ou outros fins. As células a combustíveis se alimentadas com hidrogênio não emitem CO2, já que o produto da combustão fria desse combustível em seu interior produz apenas água e calor.

Ciclo Rankine Orgânico (CRO): Tecnologia de cogeração que utiliza um fluido de trabalho orgânico em vez de água no ciclo de Rankine convencional. Esse ciclo é amplamente utilizado em usinas de energia convencionais, mas o uso de um fluido orgânico no CRO permite a geração de eletricidade a partir de fontes de calor de baixa temperatura. O CRO pode ser utilizado em uma variedade de setores industriais, incluindo indústria química, alimentos e bebidas, siderurgia e centrais de tratamento de resíduos.

Como implementar uma das tecnologias de cogeração

O parque industrial brasileiro tem alto potencial para utilização de sistemas de cogeração. Existem, atualmente, opções tecnológicas consolidadas no mercado e com diferentes soluções de aplicação para diversos processos industriais, inclusive para aplicação em pequena escala (microCHP), que oferecem economias da ordem de 20 a 50% em eletricidade e combustível. A economia final total vai depender das especificidades do projeto implementado.

A viabilidade econômica do investimento em um projeto de cogeração pode ser analisada pelo tempo de retorno do investimento (payback) e a análise do custo do ciclo de vida (LCC – Life Cycle Cost). Ambos os métodos exigem a determinação dos custos, receitas, incentivos e economias atribuíveis ao projeto, bem como os custos atribuídos a um cenário de referência ou alternativo, e o desenvolvimento de fluxos de caixa líquidos anuais.

Sob a ótica técnica, a seleção tecnológica deve atender as necessidades específicas de cada aplicação e aproveitar os recursos energéticos disponíveis e a demanda por energia (térmica e elétrica) de cada processo industrial analisado. Estes aspectos terão impacto direto nos indicadores econômicos do projeto (tipo de tecnologia implementada, dos custos de energéticos (eletricidade e combustível) e das receitas geradas (valorização de resíduos e energia)).

No PotencializEE oferecemos apoio técnico e econômico para implementação de projetos de eficiência energética em pequenas e medias indústrias do estado de São Paulo. Nossa equipe conta com especialistas em eficiência energética industrial que são capazes de identificar as alternativas tecnológicas mais adequadas para a sua indústria e disponibilizamos, também, um catálogo virtual de tecnologias mais eficientes no mercado brasileiro, inédito no Brasil, que conta com tecnologias de cogeração.

Para saber mais, se inscreva aqui para um pré-diagnóstico energético gratuito.

Referências:

Apresentação do PowerPoint (epe.gov.br)

https://core.ac.uk/download/pdf/143401294.pdf

COGEN Início

Cogeneration of heat and power (europa.eu)

O que é Cogeração (inee.org.br)

7. Evaluating Economic Viability of CHP – UnderstandingCHP.com

Bem Brasil inaugura unidade de cogeração em Minas Gerais – CanalEnergia

Fonte: Programa PotencializEE

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